[1] Em cada verso deste poema o abandono do aqui e além mencionado em cada refrão está conectado ao abandono de uma determinada contaminação mental, (kilesa), mencionada na primeira linha de cada verso. A razão para essa conexão é porque apenas quando as contaminações forem eliminadas por completo será possível superar a dicotomia inerente a essas contaminações e transcender o ciclo de renascimentos, que é deixado para trás como algo vazio, sem substância e estranho – igual à pele gasta da serpente.
[2] ‘Aqui e além’, ora-param em Pali, no seu sentido original significa as duas margens de um rio. ‘Aqui’ é a margem deste lado do rio que representa a presente existência. ‘Além’ representa qualquer mundo depois da presente existência determinado pelos frutos de kamma. Essa frase ‘aqui e além’ também se aplica a todas aquelas dualidades, discriminações, dicotomias e pares de opostos que são o hábitat usual da mente e que são a fonte das decepções, desapontamentos e sofrimento. Talvez o mais proeminente desses opostos seja a idéia de superior e inferior. Aquilo que é considerado como ‘superior’, e que por isso gera apego, está sujeito à mudança e por isso, de modo inevitável, irá conduzir ao sofrimento. O abandono desses opostos é um tema recorrente nos suttas do Sutta Nipata. Os comentários explicam o refrão que ocorre ao final de cada verso da seguinte forma: de tempos em tempos as serpentes trocam de pele e esse processo ocorre seguindo as leis da natureza dessa espécie. Em determinado ponto, quando apenas parte da pele velha foi removida, a serpente sente repulsa pela pele gasta. Dado essa repulsa a serpente irá enrolar a cauda num objeto de apoio e fazendo um esforço irá remover do corpo a pele gasta. Em seguida ela estará livre para fazer o que queira. De modo semelhante com um bhikkhu. A lei da natureza para um bhikkhu é a prática da virtude, (sila), dando-se conta do sofrimento inerente no ciclo de renascimentos e na dualidade de modo geral, representados pelas palavras ‘aqui e além’, ele sente repulsa por tudo isso. Buscando apoio num nobre amigo ele se esforça da maneira correta e através do desapego realiza a completa libertação, da mesma forma que a serpente abandona a sua pele gasta.
Crédito dos textos: https://www.acessoaoinsight.net/sutta/sutta_nipata.php.html