[4] A poderosa torrente do desejo, (tanha), que flui através do ciclo de renascimentos. Desejo pelos prazeres sensuais, desejo por ser/existir e desejo por não ser/existir.
[3] A cobiça, (raga), é comparada às flores de lótus como um símbolo da beleza. Devido ao seu encantamento é fácil esquecer que os prazeres sensuais em pouco tempo perdem a sua vitalidade e atração. Aquele que se liberta da cobiça está livre dos seus “dois lados”, a atração e repulsão, gosto e desgosto. Ele também abandonou o aqui e o além.
[1] Em cada verso deste poema o abandono do aqui e além mencionado em cada refrão está conectado ao abandono de uma determinada contaminação mental, (kilesa), mencionada na primeira linha de cada verso. A razão para essa conexão é porque apenas quando as contaminações forem eliminadas por completo será possível superar a dicotomia inerente a essas contaminações e transcender o ciclo de renascimentos, que é deixado para trás como algo vazio, sem substância e estranho – igual à pele gasta da serpente.
[2] ‘Aqui e além’, ora-param em Pali, no seu sentido original significa as duas margens de um rio. ‘Aqui’ é a margem deste lado do rio que representa a presente existência. ‘Além’ representa qualquer mundo depois da presente existência determinado pelos frutos de kamma. Essa frase ‘aqui e além’ também se aplica a todas aquelas dualidades, discriminações, dicotomias e pares de opostos que são o hábitat usual da mente e que são a fonte das decepções, desapontamentos e sofrimento. Talvez o mais proeminente desses opostos seja a idéia de superior e inferior. Aquilo que é considerado como ‘superior’, e que por isso gera apego, está sujeito à mudança e por isso, de modo inevitável, irá conduzir ao sofrimento. O abandono desses opostos é um tema recorrente nos suttas do Sutta Nipata. Os comentários explicam o refrão que ocorre ao final de cada verso da seguinte forma: de tempos em tempos as serpentes trocam de pele e esse processo ocorre seguindo as leis da natureza dessa espécie. Em determinado ponto, quando apenas parte da pele velha foi removida, a serpente sente repulsa pela pele gasta. Dado essa repulsa a serpente irá enrolar a cauda num objeto de apoio e fazendo um esforço irá remover do corpo a pele gasta. Em seguida ela estará livre para fazer o que queira. De modo semelhante com um bhikkhu. A lei da natureza para um bhikkhu é a prática da virtude, (sila), dando-se conta do sofrimento inerente no ciclo de renascimentos e na dualidade de modo geral, representados pelas palavras ‘aqui e além’, ele sente repulsa por tudo isso. Buscando apoio num nobre amigo ele se esforça da maneira correta e através do desapego realiza a completa libertação, da mesma forma que a serpente abandona a sua pele gasta.
"Eu considerei isso. Se o Buda faleceu após pregar vários sutras por quarenta anos sem pregar o Sutra do Lótus pelos últimos oito anos, ninguém fez oferendas a esses sábios. Se assim for, eles podem ter caído no reino dos espíritos famintos enquanto ainda estavam vivos." Antes do Sutra do Lótus, aqueles que eram sravakas eram severamente criticados pelo Mahayana que pregava o altruísmo. Nichiren Shonin descreve o estado de condenação em detalhes. O seguinte é um dos exemplos. Aqueles grandes sravakas eram de Brahmin, que é o mais alto nível do Bramanismo, como um grande estudioso que tinha muitos discípulos, uma pessoa de alta virtude ou uma pessoa rica. Eles ficaram impressionados com os ensinamentos do Tathagata e se converteram ao Budismo após abandonar sua posição social, embora sofressem várias perseguições. No entanto, eles foram rejeitados como pessoas de autojustiça e foram criticados, "Você nunca será capaz de atingir o estado de Buda, mesmo que uma pedra quebrada possa ser restaurada." No Vimalakirti Sutra (維摩経), é descrito que aqueles que fazem oferendas a eles cairão nos três mundos malignos, o reino do inferno, espíritos famintos e animais. Ele diz que você não deve fazer oferendas a pessoas que pertencem aos dois veículos (Hinayana). Os dois veículos são semelhantes ao individualismo moderno que pensa que o valor ou significado do indivíduo é mais importante, e dessa forma podendo incorrer no risco de que se tornem egoístas, na busca apenas dos seus próprios lucros sem considerar a sociedade ou outras pessoas. É o mesmo que os sacerdotes que oraram por um reinado glorioso da Casa Imperial em Kyoto vêm a Kamakura e oraram pela boa sorte na batalha quando o xogunato chegou ao poder. Nichiren Shonin criticou isso. Pessoas pertencentes aos dois veículos eram obcecadas apenas em atingir sua própria emancipação e nunca consideravam outras pessoas. O Sutra Vimalakirti do Mahayana funcionou como o papel de humilhar essas pessoas egoístas. No entanto, o Sutra do Lótus reconhece que as pessoas pertencentes aos dois veículos também possuem a natureza de Buda e unifica o budismo respeitando seu valor. Neste ideal do Sutra do Lótus, não há conflito entre o pensamento oriental de totalitarismo que é servir para a felicidade geral e o pensamento ocidental de individualismo que respeita o direito e a liberdade do indivíduo e dá prioridade ao lucro privado. Ou seja, pelo ideal do Sutra do Lótus, é possível estabelecer uma civilização ideal para todo o mundo. ㅤ Por Reverendo Sinyou Tsuchiya